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Percepções de uma socióloga sobre mercado de trabalho no Brasil e na Holanda

Texto publicado originalmente no dia 14.01.2022 no meu Facebook pessoal.

Na Holanda se você fica doente não precisa pegar um atestado médico pra mostrar no trabalho a menos que você esteja realmente com algo sério e vá tirar uma licença por um período longo. Você liga pro seu chefe e fala que está doente e pronto: recebe salário normalmente, eles tem até um código pra isso nos sistemas chamado “call in sick” (ligou doente).

O chefe não pergunta o que você tem. Pode ser diarreia, gripe, ressaca ou migué, ele não quer saber. Você ligou doente, doente você está, vida que segue na empresa. Quando você volta todos te desejam melhoras, mas nenhum dos colegas pergunta o que aconteceu contigo também. Tudo acontece respeitando demais a sua privacidade.

Engraçado que quando eu digo isso pros meus amigos brasileiros via de regra me respondem que conhecem alguém que ligaria todo dia falando que está doente, que isso não ia dar certo no Brasil, que o povo ia enganar a chefia todos os dias. Porém, aqui na Holanda o brasileiro tem uma fama com relação a trabalho: somos conhecidos por sermos um dos povos mais trabalhadores do mundo! Pergunte a qualquer europeu o que ele acha de trabalhar com brasileiros e vai ouvir deles que somos “hard workers”, aqueles que trabalham duro, sempre muito preocupados com o trabalho e tentando deixar tudo certo antes da data de entrega.

Lembro que quando eu trabalhava no Brasil muitas vezes acordei sobressaltada, sem saber o que fazer, pois me sentia doente e não queria faltar no trabalho. Ou então queria faltar, mas só de pensar na humilhação pra correr atrás do atestado, desistia e ia trabalhar. Em 2020 eu já estava apresentando os sintomas do burnout quando liguei pro meu chefe dizendo que ia largar o expediente no meio pra ir no hospital pois achava que estava infartando. Não era infarto, era ansiedade, crise de pânico. Mas se fosse um infarto era bom morrer em outro dia, pois meu chefe me ligou umas 2h depois perguntando todos os detalhes do meu prontuário pra saber se eu já podia logar de novo e trabalhar.

Agora vejo como essas coisas estão todas bem interligadas: nos fazem culturalmente crer que somos um bando de vagabundos, mas na verdade somos desesperados por trabalho, pois trabalho é igual a subsistência e é difícil sobreviver no Brasil, manter um emprego no Brasil, pois sempre há um exército de reserva gigantesco querendo o seu lugar. Quando chegamos na Europa com esse comportamento isso é entendido como uma cultura de trabalho duro quando na verdade é o modo sobrevivência ativado, uma ansiedade social relacionada ao trabalho que é a programação mental de todo e qualquer brasileiro.

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